A democracia é a melhor invenção desde a cerveja em lata?
Cerveja em lata fica choca mais rápido.
Hoje em dia os fact-checkers estão muito em voga, e vulgarizaram um tipo de linguagem própria dos mágicos prestidigitadores. Por exemplo, à pergunta “É verdade que as vacinas do Covid mataram centenas de pessoas vacinadas em Janeiro de 2021?”, eles irão responder FALSO, porque as vacinas apenas começaram a ser distribuídas na última quinzena, e oficialmente só estás vacinado duas semanas depois, portanto não havia ninguém vacinado. Melhor ainda, e ainda mais “FALSO”, é dizer que “apenas temos registo de 199 mortes, portanto não foi mais que uma centena”. Olha para ali, não olhes para aqui. Passes de mágica.
Com a democracia passa-se o mesmo. Dizem-te “a democracia foi inventada em Atenas, no século 5 a.C.”, e fazem-te pensar que é um sistema testado por milénios. Como diria um fact-checker: “FALSO”. A democracia que se praticava em Atenas era um modelo completamente diferente do que se pratica hoje.
A democracia foi efectivamente inventada por Solon, em Atenas, e dividia a população em 4 classes sociais, definida pela riqueza que cada um produzia anualmente.
A capacidade que alguém tinha de aceder a um determinado cargo público era inteiramente dependente da capacidade financeira de cada um. Quem não tinha capacidade produtiva (medida em volume de produção), não tinha direito de voto.
E o voto não consistia em deitar um papelinho dentro de uma urna, secretamente. Consistia em reunir com outros 6000 atenienses na Ecclesia e resolver os problemas cara a cara.
Tudo isto torna o processo completamente diferente do que temos hoje. Os cidadãos estavam investidos de poder. Tinham uma voz activa. Eram interlocutores dos líderes que elegiam, falavam e interagiam com eles, e com as medidas que se pretendiam tomar.
Hoje, temos um processo eleitoral baseado no formato dos concursos de misses, em que os candidatos fazem discursos do alto de um pódio, ou atrás de câmaras de televisão, desenvolvem a sua popularidade baseados no que grupos de foco lhes indicam, e dizem apenas o mínimo possível para não estragar a imagem que querem passar. Todos desejam a paz mundial e o bem estar para a Humanidade. Em alguns casos, alguns candidatos até aproveitam para fazer o tradicional passeio em fatos de banho, característico dos concursos de misses.
Se dos lados dos candidatos a distância para os eleitores aumenta por via do enorme número de eleitores que hoje elegem um candidato, impossibilitando o contacto pessoal, do lado dos eleitores a exigência ao candidato (na sua forma posterior de estadista) aumenta, visto que passam a atribuir um valor ao seu voto, valor esse que pretendem seja retribuído através do Estado, com subsídios, serviços, bens, que possam ser “oferecidos” pelo Estado.
Obviamente, milhões de eleitores não falam entre si (como faziam em Atenas) para se pôr de acordo na política que pretendem que os seus eleitos tomem. Pelo contrário, a situação inverte-se e são os eleitos que passam a dizer aos eleitores o que pretendem fazer. Daqui a dizer aos eleitores que deixam de poder fazer várias coisas é um pulinho.
Sabemos que em qualquer concentração de pessoas, a maioria será sempre composta pelas pessoas mais pobres, e que os mais ricos serão sempre uma minoria. Os políticos, candidatos, também o sabem. Como tal, podem prometer às maiorias, - constituídas inevitavelmente por pobres - “ofertas” de serviços e bens grátis, pagas com o dinheiro que pretendem retirar aos mais ricos, apenas em troca de um voto.
Melhor ainda, ninguém precisa de saber que votamos a favor de quem pretende mandar o Estado aplicar a força para roubar os ricos, porque “o voto é secreto”. A democracia universal é o resultado da abolição de classes definida pelo comunismo, e a exploração da mais básica das características humanas, a inveja.
Os políticos modernos, ao decretarem a democracia universal como panaceia universal, pretendem aparecer como substitutos do romance de Robin Hood, que rouba aos ricos para dar aos pobres. Mas no romance, os ricos são os cobradores de impostos, maus e brutos, que oprimem os pobres, roubam os seus rendimentos através dos impostos, levando os pobres a ficar mais pobres. Robin Hood tinha uma nobreza, porque restituía aos pobres o que lhes tinha sido roubado. Robin Hood não era o cobrador de impostos, era o ladrão que rouba o ladrão cobrador de impostos.
Os políticos modernos querem fazer-se passar por Robin Hood, mas são, como sabemos, nada mais do que cobradores de impostos. Robin Hood passou a ser um cobrador de impostos, e conseguiu fazê-lo com um passe de mágica chamado democracia universal.
Numa democracia universal, todos são iguais a todos, e quem não for passa a ser tão pobre como todos os outros. Num concurso de popularidade, como são as eleições hoje em dia, ganhará sempre quem mais prometer oferecer às maiorias pobres, pagas com o dinheiro dos ricos. Quando os antes ricos se tornam medianamente remediados, irão constituir uma ligeira maioria, que irá eleger quem lhe promete restituir a fortuna. Ao deixar de ser médio e passar a ter mais riqueza, a maioria esvai-se, e de novo os pobres ganham, e o ciclo repete-se.
A democracia universal é portanto o maior aliado do comunismo e do socialismo, porque é a personificação da ilusão da luta perpétua entre classes.
No entanto, Winston Churchill, responsável entre outras atrocidades, pela fome que matou mais mais de 3 milhões de indianos em 1943 disse, depois de ter perdido um desses concursos de popularidade em 1945 que “a democracia é a pior forma de governo, excepto todas as outras que já foram tentadas”. Usava aqui um dos tais truques de prestidigitação. O conceito de democracia, tal como o conceito de República, é egualitário, mas precisa de ser profundamente controlado pelos eleitores, para evitar que seja tomado de assalto por quem sabe controlar as massas, ou por quem saiba (ou tenha capacidade) de controlar os eleitos.
A democracia, tal como a cerveja em lata, fica choca rapidamente depois de aberta.
Um tema a debater no Spaces do libertarios.pt no próximo domingo, às 20h30